domingo, 29 de maio de 2011
O curriculum dente-de-sabre
Fez um leitor alusão a uma história clássica que evidencia duas grandes tendências que têm acompanhado a educação formal, tanto quanto se sabe, desde a Antiguidade, e que se apresentam como opostas: a clássica e a prática. Reproduzimos, de seguida, essa história numa versão de 1939, retomada em 1993. Mas há outras versões, como se pode perceber aqui.
“No Paleolítico, uma tribo desenvolveu um curriculum educacional baseado nas necessidades de sobrevivência. Os jovens eram ensinados a espantar os tigres dente-de-sabre com tições incandescente, a abater cavalos de pêlo comprido para se vestirem e a pescar com as próprias mãos.
No entanto, conforme os anos passavam, iniciou-se a Era Glaciar e as necessidades de sobrevivência mudaram: os tigres morreram devido ao frio, os cavalos fugiram e os peixes desapareceram na água enlameada. Em seu lugar, apareceram enormes ursos ferozes que não se afugentavam com o fogo, antílopes que corriam velozes como o vento (os cavalos de pelo comprido eram desajeitados e lentos) e novos peixes se escondiam na água enlameada.
A tribo depressa se deu conta que o curriculum educacional deixara de ser relevante. Afugentar tigres, abater cavalos e apanhar peixes eram relíquias dos dias antigos. A tribo precisava agora, de aprender a fazer armadilhas para os ursos, a enganar os antílopes e a fazer redes de pesca.
Contudo, o sistema educativo da tribo declarou em tom altivo: Não sejam tontos... Nós não ensinamos a apanhar peixes para apanhar peixes, mas para desenvolver uma agilidade generalizada que nunca se poderia desenvolver através do simples treino de fazer redes. Não ensinamos a abater cavalos para abater cavalos; ensinamo-lo para desenvolver uma força generalizada que não se poderia obter fazendo uma coisa tão prosaica e especializada como é uma armadilha para enganar antílopes. Não ensinamos a afugentar tigres para afugentar tigres; ensinamo-lo para dar aquela coragem nobre.”
Referência:
Peddiwell, J. A. (1939) in Sprinthall & Sprinthall (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Mc Graw-Hill.
“No Paleolítico, uma tribo desenvolveu um curriculum educacional baseado nas necessidades de sobrevivência. Os jovens eram ensinados a espantar os tigres dente-de-sabre com tições incandescente, a abater cavalos de pêlo comprido para se vestirem e a pescar com as próprias mãos.
No entanto, conforme os anos passavam, iniciou-se a Era Glaciar e as necessidades de sobrevivência mudaram: os tigres morreram devido ao frio, os cavalos fugiram e os peixes desapareceram na água enlameada. Em seu lugar, apareceram enormes ursos ferozes que não se afugentavam com o fogo, antílopes que corriam velozes como o vento (os cavalos de pelo comprido eram desajeitados e lentos) e novos peixes se escondiam na água enlameada.
A tribo depressa se deu conta que o curriculum educacional deixara de ser relevante. Afugentar tigres, abater cavalos e apanhar peixes eram relíquias dos dias antigos. A tribo precisava agora, de aprender a fazer armadilhas para os ursos, a enganar os antílopes e a fazer redes de pesca.
Contudo, o sistema educativo da tribo declarou em tom altivo: Não sejam tontos... Nós não ensinamos a apanhar peixes para apanhar peixes, mas para desenvolver uma agilidade generalizada que nunca se poderia desenvolver através do simples treino de fazer redes. Não ensinamos a abater cavalos para abater cavalos; ensinamo-lo para desenvolver uma força generalizada que não se poderia obter fazendo uma coisa tão prosaica e especializada como é uma armadilha para enganar antílopes. Não ensinamos a afugentar tigres para afugentar tigres; ensinamo-lo para dar aquela coragem nobre.”
Referência:
Peddiwell, J. A. (1939) in Sprinthall & Sprinthall (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa: Mc Graw-Hill.
O currículo "Dentes de Sabre"
Este é um capítulo de uma famosa sátira sobre currículos publicada nos Estados Unidos em 1939.
O primeiro e grande teórico e prático da educação, de que a minha imaginação tem registo, era um homem do tempo de Cheleuse cujo nome completo era NEW-FISTHAMMER-MAKER (fabricante do novo martelo de punho) mas que, por conveniência, chamarei daqui em diante NOVO-PUNHO (NEW-FIST).
NOVO-PUNHO gostava de fazer coisas, apesar de haver pouco na região com que pudesse fazer o que quer que fosse de muito complicado. Já ouviram, com certeza, falar de utensílios de pedra lascada em forma de pêra, a que os arqueólogos chamam "coup-de-poing" ou "fist-hammer".
NOVO-PUNHO adquiriu o seu nome e um prestígio local considerável ao produzir um desses artefactos com uma forma mais útil e menos grosseira do que a dos anteriormente conhecidos da sua tribo. Os seus cacetes de caça eram geralmente armas superiores e as suas técnicas de uso do fogo eram padrões de simplicidade e de precisão. Ele sabia como fazer as coisas de que a comunidade precisava e teve a energia e a vontade de ir por diante e fazê-las. Em virtude dessas características era um homem educado.
NOVO-PUNHO era também amigo de pensar. Então, como agora, havia pouco que os homens não fizessem para evitarem o trabalho e o esforço de pensar. A mesma qualidade de inteligência, que o levou à actividade socialmente aprovada de produzir um artefacto superior, levou-o também a empenhar-se na prática socialmente desaprovada de pensar. Enquanto os outros se atafulhavam de comida e dormiam, NOVO-PUNHO comia e dormia menos, levantava-se um pouco mais cedo para se sentar junto do fogo e pensar. Contemplava as chamas e perguntava-se sobre o seu meio, até que ficou fortemente insatisfeito com os costumes da tribo. Começou a tentar ver de que maneiras a vida se podia tornar melhor para ele próprio, para a sua família e para a tribo. Em virtude deste progresso tornou-se um homem perigoso. Foi este conjunto de circunstâncias que fez com que este homem, amigo de fazer coisas e de pensar, descobrisse por acaso o conceito de educação consciente e sistemática.
O estímulo imediato que o levou diretamente à prática da educação veio de observar as crianças a brincar. Notou, quando as via à entrada das cavernas, diante do fogo, entregues às suas atividades, que pareciam não ter qualquer objetivo no jogo que não fosse o prazer imediato da própria atividade. Comparou as crianças com os adultos.
As crianças brincavam por prazer; os adultos trabalhavam por motivos de segurança e de melhoria das suas vidas. As crianças lidavam com ossos, paus e seixos; os adultos com alimentos, a habitação e o vestuário. As crianças protegiam-se do aborrecimento, os adultos protegiam-se do perigo.
NOVO-PUNHO pensou que, se conseguisse levar aquelas crianças a fazerem as coisas que dariam mais e melhor alimentação, habitação, vestuário e segurança, estaria a ajudar a sua tribo a ter uma vida melhor, pois quando as crianças crescessem, teriam 2 mais carne para comer, mais peles para se agasalharem, melhores cavernas onde dormirem, menos perigo de morrerem desfeitas entre os dentes dos tigres.
Tendo estabelecido uma meta educacional, NOVO-PUNHO avançou para a construção de um currículo, para ensinar tendo em vista aquela meta. "Que é que nós, homens desta tribo, temos de saber para vivermos de barriga cheia, quentes e com o espírito livre de medo?", perguntou-se ele a si próprio. Para responder a esta questão, passou em revista mentalmente várias atividades. "Temos de apanhar peixe à mão nos lagos que por aí há. Neste, naquele, no outro, apanhamos o peixe sempre à mão" Assim, NOVO-PUNHO descobriu a primeira disciplina do primeiro currículo: "APANHADE-PEIXE-À-MÃO".
"Andamos, também, à cacetada nos pequenos cavalos peludos", continuou ele a sua análise."Andamos à cacetada neles ao longo das margens do rio, quando vêm beber, quando os apanhamos a dormir entre os arbustos, bem como quando pastam nos prados das terras altas. Onde os encontramos, abatemo-los à cacetada. Deste modo, "CACETADA-NOS-CAVALOS-PELUDOS" foi vista como a segunda disciplina importante do currículo.
"Finalmente afugentamos os tigres de dentes de sabre com o fogo" continuou NOVO PUNHO a pensar. "Afugentamo-los da entrada das nossas cavernas, do nosso caminho, ou do reservatório da água potável com fogueiras, com ramos a arder, ou com tições.
Temos sempre de os afugentar, e afugentamo-los com o fogo" Foi assim descoberta a terceira disciplina - AFUGENTAMENTO-DE-TIGRES-DE-DENTES - DE-SABRE-PELO-FOGO". Tendo desenvolvido um currículo, NOVO-PUNHO passou a fazer-se acompanhar dos filhos, quando realizava as suas actividades. Deu-lhes oportunidade de praticarem as três disciplinas. As crianças gostavam de aprender. Era mais divertido empenharem-se nessas atividades que tinham um objetivo, do que brincarem com pedras coloridas apenas.
Aprenderam bem as novas atividades e por isso o sistema educativo foi um sucesso. Quando os filhos de NOVO-PUNHO cresceram, era fácil ver que estavam em vantagem em relação a outros que nunca tinham tido uma educação sistemática no que tocava a terem uma vida boa e segura. Alguns dos membros mais inteligentes da tribo começaram a fazer como NOVO-PUNHO e o ensino de "APANHA-DE-PEIXE", da "CACETADA-NOS-CAVALOS" e do "AUGENTAMENTO-DOS-TIGRES" veio a ser aceite cada vez mais como o fulcro de uma autêntica educação.
Durante longo tempo, contudo, houve certos membros da tribo, mais conservadores, que resistiram ao novo sistema educativo formal por razões religiosas.
Diziam que, se o grande Mistério, que fala no trovão e se move no relâmpago, tivesse querido que as crianças praticassem aquelas três disciplinas antes que fossem adultos, ter-lhes-ia 3 implantado nas naturezas os instintos necessários. Logo NOVO-PUNHO era ímpio, porque estava a tentar o que o Grande Mistério nunca pretendera e era tolo porque tentava mudar a natureza humana.
Homem de estado, teorizador e administrador da educação, NOVO-PUNHO respondia polidamente a ambos os argumentos.
Aos de espírito mais teológico, dizia que o Grande Mistério ordenara que este trabalho fosse feito, e ele próprio o fazia ao provocar nas crianças a vontade de aprender, porque as crianças não podiam aprender por si próprias sem a ajuda divina, e ninguém podia realmente compreender a vontade do Grande Mistério em relação aos peixes, aos cavalos, e aos tigres de dentes de sabre, a não ser que estivesse bem fundamentado nas três disciplinas fundamentais da escola de NOVO-PUNHO.
Aos apologistas-de-que-a-natureza-humana-não-pode-sermudada, NOVO-PUNHO fazia notar que a cultura paleolítica tinha atingido o seu alto nível através de mudanças da natureza humana e que parecia quase antipatriótico negar o processo que tinha tornado a comunidade grande.
E o educador pioneiro terminava a sua argumentação exaltando a humildade e a devoção dos seus companheiros de tribo, bem como as suas inteligência e lealdade, o seu patriotismo, de modo que, com tais qualidades, não acreditava que bloqueassem o desenvolvimento da maior manifestação da nobreza das nossas instituições - o sistema educacional paleolítico.
"Agora que percebeis a verdadeira natureza e o verdadeiro propósito desta Instituição, estou serenamente confiante de que tudo fareis em sua defesa" Com este apelo, as forças do conservantismo foram conquistadas para a nova escola e, com o tempo, toda a gente soube que o cerne da boa educação residia nas três disciplinas do currículo.
NOVO-PUNHO e os seus contemporâneos envelheceram e foram levados pelo grande Mistério para a Terra do Sol Poente.
Outros homens seguiram os seus caminhos de educação até que, por fim, todas as crianças da tribo praticavam sistematicamente as três disciplinas fundamentais.
Desse modo, a tribo prosperou e foi feliz na posse das quantidades adequadas de alimento, peles e segurança.
Extraído de: BENJAMIN, H. (1977). The curriculum: context, design and development. Edinburgh: Oliver and Boyd in association with The Open University Press.
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