APRENDER A AVALIAR, PARA TODOS APRENDEREM!
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Apesar de tanto já se ter falado de avaliação e de estarmos em plena “ressaca” dos últimos testes sumativos, este é um tema que urge refletir, já que vivemos tempos na Educação em Portugal que perspetivam uma outra escola: uma escola para todos!
Sem querer ser algo redutor ou demasiado simplista, quando se discute avaliação, interessa, em primeiro lugar, compreender quais as representações que se tem sobre este conceito e qual a função que achamos que deve assumir na promoção de uma escola de qualidade para todos. Nesse sentido, tendo em conta que a maior parte de nós, enquanto alunos, vivenciamos todo um processo de avaliação, cujo principal objetivo era a classificação, a certificação ou a seleção, é natural, que hoje em dia, a conceção de avaliar para melhorar as aprendizagens (Fernandes, 2005), ainda está (infelizmente) distante de ser a dominante entre nós.
Por outras palavras, podemos compreender as vantagens desta perspetiva, mas, na realidade, ainda existe muita dificuldade em entender como se podem organizar as práticas pedagógicas, tendo em conta esta visão da avaliação e a forma como pode contribuir para o sucesso de uma escola inclusiva.
A par deste tão importante desafio, urge também refletir, até que ponto a prática de trabalho de sala de aula, guiada por esta conceção de avaliação, não se desvirtua com a realidade dos testes e exames com classificações.
A escola para todos e a avaliação para melhorar as aprendizagens...
Antes de mais, se pretendemos que todos tenham acesso a uma escola pública de qualidade e que contribua para o sucesso educativo, urge promover a diferenciação pedagógica nas salas de aulas, tendo em conta dois pressupostos fundamentais:
- reconhecer o direito à diferença e aos ritmos diferenciados a que cada cidadão tem direito;
- afastar-se do modelo do ensino simultâneo tradicional, em que o professor “dá” a mesma lição e os mesmos exercícios para todos ao mesmo tempo como se fossem apenas um.
Nesta perspetiva, o professor organiza de diversas formas, o trabalho de aprender e ensinar o currículo oficial, para que cada criança, de acordo com as suas características, usufrua ao máximo dos diferentes recursos disponíveis (tempos e modalidades de trabalho; materiais...).
Para além disso, para que a diferenciação pedagógica seja mais eficaz e promova o sucesso educativo de todos, interessa transformar cada turma numa comunidade de aprendizagem que agregue alunos e professor num Projeto comum, ou seja, que as crianças participem ativamente na gestão cooperada das aprendizagens curriculares (planeamento e regulação/avaliação) (Mestre, 2019).
A partir desta organização cooperada e da implicação de todos na apropriação do currículo (o que pressupõe que o professor, desde os primeiros dias de aulas, partilhe com os alunos o programa curricular), os alunos trabalham de acordo com as suas necessidades curriculares, cooperam uns com os outros e o professor apoia aqueles que revelam mais dificuldades de aprendizagem.
Para que esta verdadeira autorregulação das aprendizagens aconteça, existem tempos para que os alunos planeiem de acordo com as suas necessidades individuais, autoavaliem os seus processos de trabalho e produtos e, acima de tudo, submetam ambos (processos e produtos), aos balanços dos colegas e feedbacks do professor.
Assim, podemos assumir que, de uma forma dialógica e com um papel ativo de todos os intervenientes, a avaliação formativa ocorre de forma contextualizada e com o intuito de melhorar os processos de aprendizagem e as respetivas produções dos alunos.
Paralelamente, a avaliação sumativa (ponto de situação do que os alunos sabem num dado momento) com um cariz, preferencialmente, formativo, também pretende, fundamentalmente, ajudar a que cada criança se saiba “situar” perante a apropriação do currículo obrigatório. Pode-se dizer que, através de um processo de planificação e avaliação dinâmico, quando se avalia em grupo, por exemplo, alguma produção ou um plano individual de trabalho de uma criança, está a perspetivar-se melhorias numa futura produção do mesmo género ou num novo planeamento a concretizar por parte de uma criança.
Na verdade, quando se avalia para melhorar as aprendizagens, a avaliação e a planificação, de forma explícita, andam sempre de mãos dadas.
Para além disso, em termos de competências metacognitivas, tão importante quanto saber o que se aprendeu e o que falta aprender, é compreender como é que se aprendeu ou o que é que falhou para a aprendizagem não acontecer.
Em traços gerais, no quadro de uma escola pública de qualidade para todos, para que a avaliação centrada na melhoria das aprendizagens ocorra de forma efetiva e traga os resultados esperados, urge organizar as turmas como comunidades de aprendizagem, em que alunos e professor cooperam num Projeto comum de apropriação ativa e significativa do currículo.
Assim, num clima de diferenciação pedagógica, assente na cooperação e comunicação, os alunos participam ativamente no planeamento e regulação/avaliação das aprendizagens curriculares.
Através de atividades que promovem aprendizagens significativas e em que os alunos são autores das suas obras, a avaliação para as aprendizagens é uma constante nos inúmeros balanços interativos que se realizam aos processos de aprendizagem e produtos construídos.
Trata-se, na verdade, de uma avaliação que compromete todos (alunos e professor, de uma forma cooperada) na consecução de um Projeto Comum de Aprendizagem do Currículo, portanto, que promove a aprendizagem de todos.
Que inclui, emancipa e, sobretudo, humaniza!
As classificações dos testes e exames e a avaliação para melhorar as aprendizagens...
Com o desenvolvimento de aprendizagens significativas (que promovem competências complexas, como o:
raciocinar;
interpretar, justificar, explicar...), a gestão do currículo, fortemente participada pelas crianças (e respeitando as suas necessidades) e, invariavelmente, com uma prática forte de avaliação de natureza formativa, não nos parece que a convivência com a classificação (seja ela de testes sumativos ou de exames) comprometa todo o sentido do trabalho e o gosto pelas aprendizagens aqui descrito.
Aliás, a par da construção constante e reflexiva dos critérios de avaliação das mais diferentes atividades e produções que o professor realiza com os seus alunos, quando existe a obrigatoriedade de classificar testes ou atribuir uma classificação no final de cada período escolar, o procedimento pode e deve ser bastante idêntico. Ou seja, logo de início, negociar com os alunos o que é necessário, por exemplo, para se ter um “Bom” a Português, revela-se uma ótima estratégia de envolve-los em algo que é uma realidade (atribuir uma nota). Tal processo, deve ser sempre transparente e, acima de tudo, reflete um dever ético do professor.
Ninguém se deve surpreender com uma nota final atribuída, aliás, todos devem e podem ajudar no processo constante de avaliação, para que, assim, atinjam os objetivos/competências e, consequentes, classificações que desejam.
Neste paradigma, os alunos encaram os testes (sejam eles com classificação ou não) como mais um instrumento de avaliação, ao serviço da melhoria das aprendizagens.
Pois, como foi escrito anteriormente, mesmo a avaliação sumativa, pode e deve ter um cariz formativo, em que se analisa o que se aprendeu, o que falta aprender e quais as estratégias para o conseguir.
A avaliação para a aprendizagem e todo o contexto aqui descrito, reflete um paradigma que interessa que se solidifique e marque de vez uma viragem na escola.
O “memorizar para o teste” e a representação da avaliação como classificação, há muito que continuam a contribuir para o “sem sentido” da escola, a reprodução do conhecimento (ao invés da transformação do conhecimento), a competição, a exclusão de alunos (a solução não é a reprovação, mas sim a aprendizagem) e para a desvalorização do gosto pelo aprender.
Hoje, é ainda importante aprender a avaliar? Sim, para todos aprenderem!
E ainda...
Num contexto de uma verdadeira escola para todos e em que se avalia para aprender:
Num contexto de uma verdadeira escola para todos e em que se avalia para aprender:
- promove-se, solidamente, a autonomia, a participação democrática, a responsabilidade e a cooperação nas crianças;
- o erro é visto como uma oportunidade de aprendizagem e não como um "pecado" a evitar;
- as informações decorrentes do desempenho dos alunos nas provas de aferição são “levadas a sério” (não terem classificação, não é motivo para perderem a sua importância, em termos formativos);
- a exigência é permanente. Todos os alunos são responsabilizados e cooperam entre si na aprendizagem do currículo. O foco é o gosto pela aprendizagem e não: “o que sai para o teste?”;
- o sentido do trabalho e a motivação dos alunos não surgem das ameaças com a avaliação: “continua assim e no final do período logo vês que nota tens!”;
- a avaliação formativa (“avaliação para as aprendizagens”) e a avaliação sumativa (“avaliação das aprendizagens”) (Fernandes, 2005) complementam-se, de forma a regularem continuamente o processo de ensino e aprendizagem;
- se envolvemos os alunos na regulação/avaliação das suas aprendizagens, naturalmente, que têm que também participar ativamente no planeamento das mesmas;
- as atividades que os alunos realizam, refletem uma transformação do conhecimento e não a reprodução do mesmo, como por exemplo, a realização de projetos de investigação e a produção de esquemas;
- os testes que se realizam, não são o único instrumento de avaliação e nem “apelam” à reprodução do conhecimento;
- a tónica nos testes está, exclusivamente, nas informações que “dão” aos alunos e professor, e não nas possíveis classificações atribuídas;
- o professor tem que, provavelmente, fazer o “luto” do processo de avaliação que vivenciou enquanto aluno.
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FONTES
1 Fernandes, D. (2005). Avaliação das Aprendizagens: Reflectir, Agir e Transformar. In Futuro Congressos e Eventos (Ed.), Livro do 3.º Congresso Internacional Sobre Avaliação na Educação, pp. 65-78. Curitiba: Futuro Eventos.
2 Mestre, L. (2019, janeiro 18). A diferenciação pedagógica na sala de aula (A Escola que nunca tive!).